Recentemente a Editora Contexto lançou o livro Os colombianos, seu mais recente livro relacionado à coleção Povos e Civilizações. Aproveitando o lançamento do livro, entrevistamos o professor Andrew Traumann, autor da obra em questão e professor de História das Relações Internacionais e História da Política Externa do Brasil no Centro Universitário Curitiba. Nessa entrevista, o autor fala sobre o processo de independência da América Latina, as particularidades políticas da Colômbia, os motivos que levam o país a receber pouca atenção acadêmica e o que o levou a estudar este país.
Primeiramente muito obrigado por nos conceder um pouco de seu tempo para uma entrevista. Acho que podemos começar falando um pouco sobre sua formação acadêmica, quais as principais pesquisas que você realizou durante esses anos e qual sua atuação profissional no momento.
Saudações a vocês e a todos os leitores do blog. Bom,eu tenho graduação em História pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), Mestrado em História e Política pela UNESP-Assis e Doutorado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná). Minha área de atuação sempre foi a política externa brasileira e o Oriente Médio, cuja tese foi o tema do meu primeiro livro “Os Militares e os Aiatolás” lançado em 2017. Além disso sou professor no Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) há oito anos, onde leciono História das Relações Internacionais Contemporâneas e História da Política Externa do Brasil.
Um dos teus principais campos de atuação é a América Latina, e para entender muito do que se passa hoje na região, é necessário entender aspectos fundamentais de sua independência. O que você pode nos falar desse momento.
Pois é, embora como historiador eu tenha a formação de História da América, estuda-la a fundo foi um passo recente na minha carreira, numa busca de novos horizontes acadêmicos. Inquietava-me estar preso a uma única temática e resolvi me arriscar. Em relação ao processo de Independência da América Latina não há como dissocia-lo da Revolução Francesa e da Era Napoleônica. No primeiro caso houve a penetração de ideias iluministas na América Latina, graças a criollos como Simon Bolívar que viajavam constantemente para a Europa e as recém-independentes Treze Colônias da América do Norte e se fascinaram com a ideia de isonomia jurídica, laicismo e liberdades individuais, que vinham de encontro em seus anseios de libertar o América Latina do Pacto Colonial. É importante observar, contudo, que a Independência da América Latina é um processo guiado pelos interesses de grandes latifundiários e exportadores que visavam antes de tudo poder comercializar livremente com todo o mundo e que o humanitarismo iluminista por aqui ficou em segundo plano.
Uma questão polêmica relacionada aos conflitos políticos e militares na região é a atuação de guerrilhas, bem como a instrumentalização política dos discursos a favor e contra elas, algo inerente ao próprio caráter político delas. Como você entende a presença e atuação dessas guerrilhas na história latino-americana?
As guerrilhas colombianas se diferem por terem se mantido vivas por décadas ao contrário de guerrilhas derrotadas como o FMLN (Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional) de El Salvador e o Sendero Luminoso peruano, ou mesmo as vitoriosas guerrilhas cubana e nicaraguense. Todas elas surgem do sucesso da Revolução Cubana aliada á políticas de repressão que resultarão em golpes militares de direita em toda a América Latina. No caso específico da Colômbia grupos como FARC e ELN (Ejército de Libertación Nacional) surgem devido a uma aliança entre o Partido Conservador e o Partido Liberal do país denominado Frente Nacional, onde ambos combinaram entre si a alternância no poder entre 1958 e 1974, excluindo totalmente a esquerda do jogo democrático. Assim, na visão das guerrilhas a luta armada passa a ser o único caminho para mudar o status quo. No caso colombiano é importante ressaltar que irão surgir milícias paramilitares de direita, mais notadamente a AUC (Autodefensas Unidas de Colômbia), que surgem para combater o comunismo num período de Guerra Fria, mas que irão acabar disputando com as FARC o domínio sobre o narcotráfico no país após as quedas dos Cartéis de Medellín e Cali.
Recentemente você lançou um livro relacionado à história da Colômbia, sobre o qual podemos falar mais adiante. Embora a história do país seja um pouco ofuscada pelo foco que outras nações da América do Sul recebem, como Bolívia e Venezuela, a história do país é marcada por muita violência política, levando autores como Hernando Calvo Ospina a falar sobre “terrorismo de estado”, para além de alguns clichês relacionados à violência do narcotráfico que nos últimos anos voltaram por conta de filmes e séries. Como você enxerga essa situação.
Sim, a Colômbia é um dos países menos estudados na América do Sul e isso não sou quem digo, mas sim o historiador norte-americano David Bushnell o maior “colombianista” de todos os tempos, autor de um livro que recomendo a todos aqueles que tem interesse no tema chamado “Colômbia, Uma Nación A Pesar de Sí Misma”. Segundo ele isso ocorre porque a Colômbia se distingue dos demais países da região por sua história difícil de encaixar nos esquemas tradicionais: não passou por regimes populistas, ditaduras militares (salvo um breve período 1953-58, mas que foi um regime consentido pelos dois grandes partidos pelo fato de o país estar vivendo na época uma guerra civil e que está fora do contexto das ditaduras sul-americanas dos anos 1960), imigração europeia, sempre foi uma forte aliada dos EUA na região, nunca teve um governo de esquerda e sempre teve uma economia estável, sem surtos de hiperinflação. Devido a essa singularidade a Colômbia sempre esteve fora de esquemas pré determinados no estudo da América Latina e assim frequentemente era deixada de lado.
E quais aspectos da sociedade colombiana você pensa que são importantes de ressaltar para o público geral acostumado com informações parcas a respeito de diversos países latino-americanos?
Creio ser importante lembrar que a Colômbia, muito além de ser o país de Pablo Escobar é o país de Gabriel García Marquez, de Fernando Botero, de museus incríveis como o Museo del Oro de Bogotá onde estão muitas relíquias pré-Colombianas, das rumbas (festas), das lindas praias do Caribe, do Vallenato, da Salsa (nascida em Cuba, mas praticamente apropriada pela Colômbia) e de um povo que ama receber visitas e que vale muito a pena conhecer.
Você acabou de lançar o livro “Os colombianos” pela Editora Contexto, que faz parte da Coleção Povos e Civilizações. O que te motivou a escrever sobre a Colômbia?
Bom, eu sou um grande admirador dessa Coleção, que conta com grandes nomes como Peter Burke, Murilo Meihy e o Embaixador Sérgio Florêncio. Some-se a isso as viagens que fiz a aquele país e fiz a proposta a eles justamente com o argumento de que a Colômbia têm muito mais a oferecer do que as séries sobre o narcotráfico.
Você tem outros projetos futuros já em andamento? Se sim, poderia nos contar um pouco sobre eles?
Eu pretendo me aprofundar no tema. Me fascina um caso escabroso na Colômbia chamado Escândalo dos Falsos Positivos, em que paramilitares de direita matavam jovens de periferia ou moradores de rua,vestiam-nos como guerrilheiros para receber a recompensa por guerrilheiro morto oferecida pelo Exército Colombiano no governo Álvaro Uribe (2002-2010). Este escândalo levou a prisão de cerca de 40 militares no país e abriu um amplo debate sobre até onde estava indo a “guerra contra o terrorismo”, a impunidade dos paramilitares, a morte de “indesejáveis” sociais etc.
Muito obrigado pela entrevista. Gostaria de deixar algum recado ou comentário aos leitores?
Agradeço o espaço cedido, o apoio ao meu trabalho e espero que os leitores apreciem minha humilde contribuição aos estudos de América Latina em “Os Colombianos”.