Salve, espectadores do canal. Noam Chomsky. Eu preciso falar mais alguma coisa? Muito de vocês conhecem o autor, mas pra quem não conhece, ele é um dos acadêmicos mais citados e reconhecidos do mundo. Se tornou referência mundial primeiro na área da linguística, e depois em discussões sobre ciência política. Trabalhou durante muitos anos no MIT, o Instituto de Tecnologia de Massaschussets, uma das maiores universidades dos Estados Unidos, e é um dos críticos mais ferrenhos a vários aspectos dos Estados Unidos, especialmente a política externa, mas também vários aspectos políticos, econômicos e sociais internos.

Tem vários livros publicados, e recentemente inclusive encabeçou o documentário “Réquiem para o sonho americano”, que tá disponível na Netflix. Inclusive se você ficar curioso por esse livro e ainda não conhece Chomsky, recomendo assistir esse documentário pra te ajudar a decidir. A obra de hoje foi lançada no Brasil em 2017 e já está em sua segunda edição. O livro de hoje é Quem manda no mundo? de Noam Chomsky, lançado pelo selo Crítica da Editora Planeta.

O livro, ao contrário do que possa parecer, não se resume a uma crítica aos Estados Unidos. Como várias outras obras do autor, ele é uma compilação de artigos que, de alguma maneira, circulam um mesmo tema. O ponto que me salta aos olhos nesse livro, e que me parece ser seu eixo central, é o fato de que Chomsky entende a democracia representativa como falha. Em mais de um livro, o autor insiste que a democracia precisa ser direta, ter participação popular de verdade e atender mais as vontades do povo, da maioria, mas não é isso que temos nas sociedades atuais. A maioria das decisões políticas e econômicas são tomadas por elites que estão no poder, seja em cargos políticos, seja fazendo lobby e injetando dinheiro nas estruturas de poder para ter seus interesses contemplados.

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Por exemplo: analisando o sistema eleitoral dos Estados Unidos, Chomsky aponta que ele foi desenvolvido para dar mais voz às elites, que eram a real composição dos colégios eleitorais. Outro ponto importante é a questão do voto não ser obrigatório no país. Para o autor, isso faz com que a evasão eleitoral se dê em grande medida por classe, já que justamente as classes mais pobres e que se sentem menos representadas na política são as que mais deixam de votar por achar que não vale à pena, e consequentemente colaboram para manter o ciclo de governos que pouco ou nada fazem por eles. E depois que passa a eleição, essas mesmas pessoas não têm mecanismos para fazer com que suas necessidades sejam atendidas.

Os capítulos do livro perpassam vários temas relacionados a poder, a nível nacional (dos Estados Unidos, lógico) e a nível internacional. Fala como os Estados Unidos protegem seu setor corporativo, a questão palestina, terrorismo – incluindo aí dos países que dizem combater terroristas, como os Estados Unidos –, os acordos de cessar-fogo ineficientes, a ajuda do país às ditaduras da América Latina, o combate à Teologia da Libertação e o assassinato de padres na América Central com anuência de Washington, entre muitos outros. Como o livro compila vários artigos, ainda que eles tenham um eixo comum, não seguem uma linearidade narrativa. Logo, você pode ler os capítulos isoladamente sem muito prejuízo, já que os textos aqui tenderam a ser pensados individualmente.

Segue abaixo um trecho do primeiro capítulo desse livro. Quem já conhece o autor vai reconhecer o estilo clássico de Chomsky em tocar na ferida da hipocrisia política de certos grupos políticos. Quem não o conhece, contudo, terá uma boa noção do que vem pela frente. Falando sobre o 11 de setembro:

Os crimes poderiam ter sido ainda piores: suponhamos, por exemplo, que o voo 93, derrubado por corajosos passageiros na Pensilvânia, tivesse ido tão longe a ponto de atingir a Casa Branca, matando o presidente? Suponhamos que os criminosos planejassem e lograssem impor uma ditadura militar que matasse milhares e torturasse dezenas de milhares. Suponhamos que a nova ditadura estabelecesse, com o apoio dos criminosos, um centro de terror internacional que ajudasse a instalar em outros países regimes de tortura e terror similares e, a cereja do bolo, trouxesse uma equipe de economistas – vamos chamá-los de ‘os meninos de Kandahar’ – que rapidamente conduzisse a economia a uma das piores depressões de sua história. Claramente, isso teria sido muito pior do que o 11 de setembro.

Como todos deveríamos saber, nada disso é um experimento mental ou mera especulação. Aconteceu. Refiro-me, naturalmente, àquilo que na América Latina é muitas vezes chamado de “o primeiro 11 de setembro”: o dia 11 de setembro de 1973, quando os Estados Unidos tiveram êxito em seus esforços para derrubar o governo democrático de Salvador Allende no Chile com um golpe militar que levou ao poder o terrível regime do general Augusto Pinochet. A seguir, a ditadura instalou seus meninos de Chicago – economistas formados na Universidade de Chicago – para remodelar a economia do país. Pense na destruição econômica, na tortura e nos sequestros, e multiplique por 25 os números de mortos para produzir equivalentes per capita, e você simplesmente verá como foi muito mais devastador o primeiro 11 de setembro”.

Enfim: se você conhece Noam Chomsky, esse livro é pra você. Se ainda não conhece, esse livro também é pra você. Pra quem tem interesse em ciências humanas, Noam Chomsky é leitura obrigatória.