Livro de Robert Gellately mantém acesa uma polêmica que se arrasta por décadas jogando uma expressiva quantidade de combustível nessa fogueira ideológica. Mas ele vale a leitura?

Salve, espectadores! Como provavelmente a maioria de vocês sabem, Stalin é uma das figuras mais polêmicas do século XX – e por que não dizer, de todos os tempos. Sobre ele abundam livros, escritos por autores que vão da tentativa de inocentá-lo das atrocidades a ele atribuídas – vide o sempre citado Domenico Losurdo – até autores que não medem esforços para tentar provar que Stalin foi o líder violento que sua imagem solidificada no imaginário ocidental pinta. E este livro se encaixa nessa segunda tradição. Escrito por Robert Gellately, o livro é A maldição de Stalin.

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Robert Gellately é um canadense, professor da Universidade Estadual da Flórida, e pra escrever esse livro, o autor aproveitou das fontes soviéticas que foram liberadas com o fim da Guerra Fria, mas também usou arquivos dos Estados Unidos, Alemanha e Grã-Bretanha.

A principal premissa desse livro, que foi lançado originalmente em 2013, é de que, ao contrário de outros historiadores – inclusive dos Estados Unidos –, Gellately defende que Stalin foi o principal responsável pelo estabelecimento e a tensão da Guerra Fria, e não os Estados Unidos, como muitos defendem, tampouco uma “culpa compartilhada” entre as duas potências desse conflito.

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Robert Gellately

O autor não esconde em nenhum momento o desgosto que ele tem pelo então chamado “socialismo real”, e o título do livro “a maldição de Stalin”, se refere ao fato de que, após a Segunda Guerra Mundial, Stalin se aproveitou do contexto para expandir a zona de influência União Soviética rumo ao oeste, até a Alemanha. Mas não apenas isso: junto com essa expansão se estendiam também praticas de censura e repressão, que só foram começar a afrouxar aos poucos após a morte de Stalin em 1953.

E, mesmo assim, essas mostras de afrouxamento gradativo não foram o suficiente para que as manifestações contra a repressão nos países do bloco soviético na década de 1950 fossem respeitadas. Para o autor, Stalin imprimiu um “estilo pessoal” nessa expansão da influência soviética, que o autor chama de stalinização. Aí está parte dessa “maldição”.

Mas vale citar que quando o autor fala em “maldição”, ele também quer dizer que a dificuldade que os países do antigo bloco soviético têm de crescer e melhorar sua qualidade de vida está em grande parte ligada ao passado stalinista, que teria deixado marcas ainda fortes nestes lugares.

Gellately afirma que, se a delegação americana tivesse tido mais firmeza na conferência de Potsdam, talvez conflitos como a Guerra da Coreia teriam sido evitados, e apesar de achar que os Estados Unidos foram lentos em tomar uma atitude contra a expansão comunista, elogia a intervenção na Coreia. No entanto, o autor compreende que o contexto do imediato pós-guerra facilitou as coisas para Stalin, haja vista que a opinião pública nos Estados Unidos queria os soldados de volta, e a Grã-Bretanha estava com a economia destruída.

Outra tese que o autor defende é que toda a violência, os expurgos, prisões e tudo mais cometidos a mando Stalin não eram fruto de alguma psicopatia ou patologia, mas sim, algo dependente da ideologia. Para o autor, foi a interpretação severa que Stalin fez do marxismo-leninismo que guiou as atitudes do ditador, e que sem o componente ideológico, você não consegue explicar a questão propriamente.

O livro é dividido em três partes. A primeira fala sobre o estabelecimento da União Soviética e a Segunda Guerra Mundial, falando um pouco de suas consequências imediatas. Na parte 2, Gellately disserta sobre o imediato pós-guerra, as negociações entre as nações e a reafirmação da ideologia na União Soviética. Por fim, a parte três se dedica à Guerra Fria, falando dos regimes socialistas em países como Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia e Alemanha Oriental, mas falando um pouco sobre a Ásia também.

Como o que dissemos até agora confirma, sem deixar margem para dúvida, o livro de Gellately se encaixa na tradição dos acadêmicos estadunidenses da Guerra Fria que viam a União Soviética e o Socialismo/Comunismo como o grande inimigo do “mundo livre” (os chamados Cold Warriors), perspectiva essa que perdeu parte da credibilidade entre os anos 1960 e 1980, mas que ganhou fôlego novamente após a abertura de arquivos soviéticos conforme a Guerra Fria marchava para seu fim, naquele momento visto como inevitável.

RESUMINDO:

Livros com uma adesão ideológica tão forte como esse costumam me incomodar bastante, e este é um livro que eu dificilmente priorizaria numa lista de livros sobre o assunto. Mas se não é o seu caso, fica a dica de livro. No entanto, caso você queira começar a estudar sobre a figura de Stalin e a União Soviética e queira fazê-lo partindo desse livro, recomendamos que não pare nele. Há muito mais a ser lido, e isso vale tanto para quem idolatra esta figura histórica quanto para quem a despreza.