Quando eu era mais jovem, assim como muitos outros brasileiros, tudo o que eu conhecia a respeito de jogos de tabuleiro vinha daqueles jogos que praticamente todo mundo que sabe o que é isso conhecia, como War, Detetive, Combate, Banco Imobiliário, Perfil, entre outros.

Devo dizer que fiquei um pouco surpreso quando descobri, já mais velho, que a quantidade de jogos é incontável, que esse mercado é bastante prolífico em alguns países, como Estados Unidos e França, e que as lojas brasileiras especializadas têm centenas de jogos à disposição que a maioria da população nem sabe que existe. Não posso falar em termos de preconceito ou não com esse hobbie, porque nunca foi algo no qual eu prestasse atenção, mas fiquei feliz de descobrir esse universo, ainda que não seja um colecionador, nem nada do tipo.

Mas o único jogo em toda minha vida que conquistou meu coração assim que bati o olho nele, mesmo que nem fisicamente, foi Memoir ’44. Quem acompanha o Leitura ObrigaHISTÓRIA e presta atenção nos detalhes sabe que eu sou um grande entusiasta de Segunda Guerra Mundial, e só não pesquiso esse tema no doutorado porque não encontrei nenhuma problemática interessante e motivadora. Mas mesmo sem pesquisar, não há tema na história que me instigue mais a leitura.

Este texto não é escrito por um grande conhecedor do mundo dos jogos de tabuleiro, mas sim, por um historiador. Ainda assim, o texto não busca falar sobre história: quero tentar dissertar o máximo possível sobre o jogo de hoje e suas principais expansões, que são inúmeras, ainda que eu vá ignorar lançamentos menores, como campanhas disponíveis apenas em PDF ou o Campaign Book: D-Day Supplemental. Quero tentar fazer o texto mais completo sobre o assunto que me for possível, para o público brasileiro que pena em achar qualquer coisa sobre esse jogo no Brasil, já que ele nunca foi lançado por aqui e está disponível apenas em inglês e francês (se você sabe de outros idiomas nos quais o jogo possa ter sido lançado, comentem aqui embaixo). E a quem tiver paciência de ler até o final, peço que comentem se faltou alguma informação importante.

A CAIXA-BASE

Memoir ’44 foi lançado originalmente no ano de 2004 no escopo das comemorações de 60 anos do desembarque dos aliados na Normandia. Ele usava o sistema de jogo chamado Command and Colors, que consiste em um tabuleiro formado por hexágonos. Esse tabuleiro simula algum tipo de terreno neutro, com poucos elementos gráficos para que o jogador possa perceber que se trata de um gramado, um deserto, uma praia, neve, e vários hexágonos avulsos simulando tipos de terreno. No caso de Memoir ’44, alguns dos terrenos são Florestas, Colinas, Rios (retos e curvos), Sebes (ou cercas-vivas) e Vilarejos, e há outros jogos que usam esse sistema, como Battle Cry (baseado na Guerra Civil dos Estados Unidos) e The Great War (sobre a Primeira Guerra Mundial). Mas estes dois não serão discutidos nesse texto, porque não tive a oportunidade de jogá-los.

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A caixa-base de Memoir ’44 (falaremos das expansões a seguir) é focada apenas em eventos que ocorrem entre a madrugada entre os dias 5 e 6 de junho até a vitória contra os alemães nos Vosges, possibilitando a retomada de Estrasburgo pelos franceses em novembro de 1944. As primeiras cinco missões, por exemplo, estão diretamente ligadas aos eventos de 6 de junho. A primeira delas se chama Pegasus Bridge, e diz respeito à Operação Deadstick, uma operação de paraquedistas britânicos na madrugada do dia 6 com o objetivo de tomar intactas duas pontes que cruzam o Rio Orne e o canal de Caen, de forma a abrir o caminho rumo ao leste para as tropas britânicas que invadiriam a Praia de Sword. Após tomadas, as pontes deveriam permanecer guarnecidas contra quaisquer contra-ataques. Já o segundo cenário é bastante familiar aos espectadores de Band of Brothers, representando os paraquedistas dos EUA que fizeram sua incursão atrás das linhas inimigas para facilitar o desembarque pela manhã. Este, por sinal, é representado parcialmente nos três cenários seguintes, dedicados a três praias: Praia de Sword, Poite du Hoc e Omaha.

O livro que acompanha o jogo original conta com 16 cenários no modo standard e um no modo Overlord, sobre o qual falarei mais tarde.

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Memoir ’44 pronto para jogo. O cenário da imagem representa a invasão da Praia de Sword.

No que concerne às miniaturas, o jogo vem com 42 peças de plástico de infantaria para cada lado (Aliados e Eixo), 24 peças de tanque/cavalaria e seis de artilharia. Além disso temos 12 peças simulando rolos de arame farpado, 12 peças de ouriços (aquelas peças metálicas na beira das praias que vocês devem ter visto em O resgate do Soldado Ryan) e 12 peças simulando barricadas feitas com sacos de areia. Haviam também as insígnias de tropas especiais, medalhas, bunkers e pontes.

Além disso, ele traz um baralho de cartas, divididas entre as cartas de comando e as táticas. As cartas de comando são usadas para movimentação e ataques básicos, enquanto as táticas aplicam efeitos especiais a esses movimentos e ataques ou adicionam outras possibilidades, como contra-ataque, emboscadas e afins.

O jogo foi um sucesso, e logo começaram a ser lançadas diversas expansões para ele, ultrapassando as fronteiras temporais e geográficas inicialmente definidas para a caixa-base. Não se tratava mais apenas de 1944, tampouco apenas sobre a França. A guerra era muito, muito maior do que isso, e o jogo caminharia avidamente para ampliar seus limites.

AS EXPANSÕES

Já no ano seguinte ao lançamento de Memoir ’44, a Days of Wonder (companhia que lançou o jogo) resolveu lançar três expansões: Terrain PackEastern FrontWinter/Desert Board Map.

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A expansão Terrain Pack foi um grande compilado de novos tipos de terrenos para o jogo, como Montanhas, Estradas, Castelos, entre outros, cada um deles com suas especificidades em relação a movimento e combate, tanto quantos os originais. Ainda trazia uma série de novos elementos e regras em relação ao jogo-base, que era muito simples. Normalmente jogadores de Memoir ’44 que provam das expansões têm dificuldade de voltar ao jogo original, dada sua simplicidade. Algumas das regras e elementos adicionados foram Minas terrestres, unidades de engenheiros, regras de sabotagem, explosão de pontes, entre tantas outras. No manual desta expansão, havia quatro cenários novos, que usavam de terrenos e regras que a caixa trazia.

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A segunda caixa de expansão daquele ano foi Eastern Front, até hoje uma das mais queridas e disputadas expansões do jogo. Ela se passa no front oriental, e traz mais terrenos (com estética de inverno e, portanto, com neve) e o Exército Vermelho, com a mesma quantidade de peças para infantaria, cavalaria e artilharia. Este exército trazia uma regra nova, algo que seria uma constante nas outras duas expansões com tropas novas. A caixa trazia a ficha do Comissário, para tentar representar a desorganização e “burocracia” da cadeia de comando soviética, embora essa regra não se aplique a cenarios de periodos mais tardios da guerra. Ao contrário dos outros jogadores, quem joga com o Exército Vermelho precisa escolher suas ações com um turno de antecedência, deixando a experiência muito mais desafiadora. A caixa também trazia novos elementos em forma de insígnia, como tropas esquiadoras finlandesas e snipers.

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Jogadores de Memoir ’44 costumam dar muita importância à estética do jogo, e por conta disso a Days of Wonder resolveu lançar um tabuleiro que fosse deserto de um lado, neve do outro, permitindo partidas em cenários de inverno extremo e de deserto, usados nos cenários relacionados à maioria dos embates do norte da África. Esse lado do tabuleiro seria ainda mais útil anos depois. A expansão em si era apenas o tabuleiro avulso, contendo um folheto com as Blitz Rules, novas regras que deveriam ser usadas em certos cenários para simular vantagens do Eixo nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial.

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O ano de 2006 foi um pouco mais tímido em matéria de lançamentos, vendo apenas uma única expansão. Essa, no entanto, foi uma grande adição ao jogo. Seguindo o movimento de expandir os teatros de guerra iniciado com a Eastern Front, foi lançada a expansão Pacific Theater, trazendo os embates entre os Fuzileiros Navais dos Estados Unidos e o Exército Imperial japonês. Do ponto de vista físico, o exército japonês se diferencia dos demais por ter mais peças de infantaria (48, para ser exato), mas metade do número de peças de tanque (apenas 12), simulando o fato de que a cavalaria japonesa era bastante deficiente, o que fazia que a ênfase na infantaria fosse essencial do ponto de vista estratégico.

Assim como a Eastern Front fazia com o Exército Vermelho, essa expansão trazia regras específicas para o exército japonês que tentavam simular as investidas quase suicidas de seus soldados, bem como sua dificuldade ou recusa em recuar em situações extremas. E seguindo a tradição, novas insígnias e terrenos foram adicionados ao jogo, bem como embarcações dos Estados Unidos. Ao contrário da anterior, não necessitava de nenhum tabuleiro especial para manter a estética adequada, utilizando a versão que acompanhava a caixa-base.

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O ano de 2007 viu um lançamento consideravelmente mais ousado: a expansão Air Pack. Esta trazia oito aviões de diferentes nacionalidades e regras específicas para seu uso, as air rules. A caixa trazia também cartas de referência para regras (como a caixa-base também trazia e outras caixas no futuro trariam) e um livro de regras e cenários robusto, que não só trazia vários cenários novos, como também atualizava alguns antigos com regras mais recentes. Um dos mais afetados foi o cenário Omaha Beach, que agora ganhava, entre outras coisas, a adição dos botes de desembarque e um destroyer aliado, trazido na expansão Pacific Theater. 

Esta, no entanto, parece não ter caído nas graças do público tanto quanto as anteriores, e foi a única expansão de maior porte a ter sido descontinuada definitivamente. O mesmo aconteceu com outra expansão chamada Campaign Bag, que era basicamente uma bolsa com estética militar feita para carregar o jogo base e suas expansões, e que trazia um livreto com cenários. Hoje o Air Pack é uma das expansões mais difíceis de se conseguir, e quando disponível por vendedores avulsos, costuma custar pequenas fortunas.

Em 2008, a empresa resolveu apostar com mais afinco no jogo, lançando três expansões, sendo uma delas um Battle MapMediterranean Theater, Operation Overlord e o citado mapa de batalha Hedgerow Hell.

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A primeira deles era bastante parecida com as expansões anteriores que traziam exércitos, dessa vez contando com a Commonwealth britânica. Esta trazia insígnias, elementos diferentes e cenários novos (todos com estética de deserto), além de uma regra específica para os britânicos: se uma unidade é reduzida a uma única peça e estiver em combate à queima-roupa contra o inimigo, ela imediatamente pode atacar o adversário que lhe atacou com um dado. Ela também trazia três peças de plástico representando armas anti-tanque usadas nos embates do norte da África, onde o uso de cavalaria foi ostensivo e decisivo. Essa expansão consolidava o uso do tabuleiro Winter/Desert definitivamente para todos que dão importância aos elementos estéticos.

Nesse ponto podemos explicar tanto o conceito do modo Overlord quanto os Battle Maps em si.

Desde o início, Memoir ’44 permitia que os jogadores jogassem nesse chamado modo Overlord, que consistia em juntar duas caixas base, colocando os tabuleiros um do lado do outro, criando um tabuleiro com o dobro do tamanho para os lados. Se o jogo base permitia apenas dois jogadores, o modo Overlord permite até 8 pessoas: cada lado tem quatro jogadores, onde um deles faz o papel de comandante-em-chefe, distribuindo as cartas e dando ordens, enquanto os demais seriam os generais de campo, cada um deles comandando flancos e setores específicos do tabuleiro.

Por conta disso, a Days of Wonder lançou aquela que, na minha modesta opinião, é uma das piores expansões do jogo: Operation Overlord. A caixa trazia uma versão do baralho original adaptada para o formato e vários tokens do mesmo material das insígnias que o jogo trazia desde o começo, representando as peças de plástico. Dessa forma o jogador não precisaria comprar uma segunda cópia de tudo o que o jogo tinha.

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Conceitualmente, é uma ideia interessante, mas havia dois problemas envolvidos. Primeiro: jogadores mais preocupados com a estética odiaram a ideia de misturar as miniaturas de boa qualidade do jogo-base com tokens. Segundo, e mais importante: a expansão não trazia um segundo tabuleiro! Como raios ela seria útil para um jogador com apenas um jogo base?

Talvez a resposta fosse o primeiro Battle Map entre os cinco outros que sairiam até o momento em que este texto é escrito (um sexto está à caminho): Hedgerow Hell. A expansão anterior provavelmente seria uma forma de dar algum suplemento para que os jogadores sem cópias extras das caixas usassem os mapas impressos que vinham nesse novo tipo de expansão.

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Se a jogabilidade não sofreu nenhuma alteração com esse novo modelo de expansão, a apresentação do produto era completamente diferente de tudo o que a Days of Wonder havia feito até então. Os mapas de batalha vêm dentro de envelopes de papel, com bonitos desenhos que fazem uso de uma estética de rascunho. E cada uma delas sempre tenta trazer algum novo elemento físico como miniaturas de veículos diferentes dos da caixa-base ou baralhos novos, que comentaremos depois.

A principal inovação destes mapas é que os mesmos não vinham apenas em forma de livro de missão, para montagem dos cenários. Com exceção das missões do modo standard que aparecem em alguns mapas de batalha, todos os cenários vêm impressos em papel, como demonstrado na imagem abaixo, de um dos mapas da expansão Sword of Stalingrad (2009), que seria lançado no ano seguinte junto de outro desses mapas, Tigers in the Snow (2009). Isso economizava em muito o tempo de set up do jogo (termo que diz respeito a arrumar tudo e posicionar os elementos para o início da partida). Aparentemente a iniciativa deu certo, tendo em vista que a Days of Wonder lançou quatro desses na primeira série e já anunciou o segundo exemplar na segunda série de mapas. Os demais lançados, além dos citados acima, foram Disaster at Dieppe (2010)The Battles of Khalkin-Gol (2016).

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Sword of Stalingrad

É importante dizer que quatro desses seis mapas trazem como bônus peças de plástico que simulam unidades especiais, presentes no jogo anteriormente apenas em forma de insígnia, como jipes, caminhões, tanques Tiger, semilagartas e outros. As exceções são Sword of Stalingrad e o próximo lançamento, Through Jungle and Desert (2018)que trazem os Combat Cards. Esses baralhos são separados do baralho comum, e suas cartas podem ser usadas em conjunto com as originais, ou em momentos oportunos no decorrer do combate, adicionando um novo elemento bastante interessante ao jogo. O baralho do Sword of Stalingrad seria focado em batalhas urbanas, enquanto os dois de Through Jungle and Desert são focados, respectivamente, em cenários de selva do teatro do Pacífico e cenários de deserto do norte da África.

Mas e os cenários de neve? Chegaremos lá.

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O ano de 2009 foi agitado no universo de Memoir ’44. Além dos dois mapas de batalha que citamos anteriormente, este ano viu o lançamento do Campaign Book Vol. 1. Já descontinuado, o livro era um compilado de campanhas para o jogo, baseadas em campanhas reais da Segunda Guerra Mundial. Havia uma continuidade entre os cenários, pois o resultado de uma batalha interferiria positivamente para o vencedor na batalha seguinte (e negativamente para o perdedor, obviamente). Infelizmente para os fãs, o livro foi descontinuado, e atualmente é vendido apenas em PDF pela Days of Wonder. Cerca de dois anos depois a empresa lançaria o Campaign Book Vol. 2, ainda disponível, mas extremamente difícil de ser encontrado. Este trazia novas campanhas, inclusive no novo formato de jogo lançado no ano anterior: Breakthrough.

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Um dos tabuleiros da expansão Breakthrough

Neste ano de 2010, além do mapa de batalha Disaster at Dieppe, duas expansões bastante queridas pelos fãs foram lançadas: Breakthrough Winter Wars. A primeira delas consistia em dois tabuleiros com o dobro de profundidade dos originais. Basicamente, ao invés de esticar o tabuleiro para os lados como fazia o movo Overlord, essa expansão adicionava maior profundidade ao jogo, resultado em partidas que exigiam muito mais estratégia e pensamento a longo prazo. Junto dos tabuleiros (com faces de gramado comum, praia, deserto e neve, assim como nos tabuleiros originais), vinha um livro com cenários de diferentes teatros da guerra para jogo.

Já Winter Wars era uma expansão que trazia batalhas da ofensiva das Ardenas, no fim de 1944. A expansão, além de trazer cenários no modo standard e Breakthrough, trazia dezenas de hexágonos de neve, o que finalmente acalmou os fãs que esperaram por anos por versões de neve de terrenos do jogo-base e Terrain Pack. Apenas a expansão Eastern Front não trazia todos os hexágonos suficientes, e a nova expansão corrigiria isso.

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Além disso, ela trazia muitas insígnias de unidades novas, mas também duas coisas importantes: um baralho de Combat Cards para cenários de neve e o baralho adaptado para o modo Breakthrough, algo que irrita alguns fãs até hoje, haja vista que a Days of Wonder estava, basicamente, lhe obrigando a comprar duas expansões para jogar o novo modo de partida desenvolvido. Atualmente, Winter Wars é uma das expansões mais caras e difíceis de se conseguir, ao lado da maioria dos Battle Maps, os livros de campanha e o Air Pack.

Em minha opinião, foi neste momento que Memoir ’44 atingiu seu ápice de complexidade, ainda que alguns poucos elementos novos tenham sido incluídos mais adiante. Este elementos futuros adicionam apenas meros detalhes à essa estrutura, que se consolidou no ano de 2010.

No entanto, é importante dizer que mesmo com todo o acúmulo de unidades e regras novas que o jogo adquiriu com o enorme número de expansões, ele permanece um jogo relativamente leve.

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Enquanto o ano seguinte viu o lançamento do já citado Campaign Book Vol. 2 e duas campanhas online (disponíveis gratuitamente no site da Days of Wonder), o ano de 2012 veria o último lançamento da franquia em uma apresentação mais robusta: a expansão Equipment Pack. Pela primeira vez a empresa lançava uma caixa do mesmo tamanho da caixa-base de 2004, e a expansão em questão, além de trazer diversos novos cenários, resolveu trazer cerca de 180 novas miniaturas plásticas.

Alguns consideram esta a expansão mais supérflua do jogo. Ela não traz nada de muito novo, apenas materializa dezenas de unidades que já haviam aparecido em forma de insígnias, ou traz mais miniaturas daquelas que foram vistas em três Battle Maps da primeira série (além de cartas de referência de regras). E isso se aplica tanto a veículos quanto a unidades humanas, pois a mesma traz o Exército Francês, as infantarias esquiadoras finlandesas e a cavalaria polonesa (e aqui me refiro a unidades montadas em cavalos de fato, não cavalaria como terminologia militar para se referir a tanques e blindados).

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Ela pode ser interpretada tanto como um presente aos jogadores mais puristas que ansiavam por novas miniaturas representando os avanços do jogo quanto um caça-níquel e demonstração de esgotamento. Independente de qual a opinião do leitor, é fato de que essa expansão é uma das que menos faz alguma falta ao jogo e decepcionou a alguns fãs pela baixa qualidade de muitas miniaturas.

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Enquanto o ano seguinte não viu nenhuma novidade, 2014 via os setenta anos do Dia D, e mais uma vez o evento foi usado como base para outro produto: a expansão D-Day Landings. A mesma consiste em diversos tabuleiros impressos em papel representando especificamente a costa da Normandia.

A ideia é que juntos, todos os tabuleiros façam uma representação geográfica completa de todo o desembarque de 6 de junho de 1944. Os segmentos da costa foram separados para que, com uma caixa base, você possa jogar a invasão por partes. Para jogar toda a costa ao mesmo tempo, seria necessária a junção de diversas mesas, várias cópias da caixa-base e diversos jogadores, algo restrito a eventos de entusiastas e fãs. Acabou tornando-se aquele tipo de item que só os fãs mais hardcore do jogo buscam obter com mais afinco.

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Desde Equipment Pack, os lançamentos relacionados a Memoir ’44 tem sido mais espaçados (lançados nos anos de numero par – 2012, 2014, 2016 e 2018). A última expansão já lançada foi o mapa The Battles of Khalkin-Gol, representando rusgas entre, de um lado, o Exército Vermelho e tropas da Mongólia contra, de outro, o Exército Japonês e tropas de Manchukuo, Estado-fantoche japonês instalado na região da Manchúria em 1932. Este Battle Map se mostra bastante interessante, levando em conta que traz seis cenários no modo standard (ainda que a maioria seja praticamente idêntica por se tratarem de embates em um mesmo local), dois Breakthrough e dois Overlord, sendo os quatro últimos impressos em papel. Ela também traz dois tipos de veículos inéditos até então no jogo.

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GUIA DE COMPRAS BÁSICO PARA MEMOIR ’44

Com tantas expansões e possibilidades, alguns interessados podem estar se perguntando: por onde eu começo?

Primeiro é importante citar novamente que este jogo não saiu no Brasil e muitas expansões são difíceis de conseguir – e ainda assim custam pequenas fortunas. Mas farei esse texto ignorando esses dois fatores, partindo do pressuposto que você, leitor, tem condições de encontrar e adquirir o material.

Depois da caixa-base (aquela da primeira imagem do texto), a primeira expansão que costuma ser recomendada aos novos jogadores é a Terrain Pack. Embora ela não traga exércitos e tenha apenas quatro novos cenários, ele introduz um bom número de novas regras. É uma das expansões mais baratas, e lhe permitirá jogar dezenas de cenários disponíveis pela Internet, especialmente no site da Days of Wonder, o que te permitirá uma boa rejogabilidade.

Após isso, há três principais expansões a se buscar: Eastern Front, Pacific Theater Mediterranean Theater. Embora a minha favorita seja, de longe, Eastern Front, caso você seja do tipo que valoriza a fidelidade estética, talvez seja uma boa opção começar por Pacific Theater, pois ela utiliza o mesmo tabuleiro do jogo original, enquanto as outras duas usam a expansão Winter/Desert Board Map para maior realismo estético. Mas no fim das contas, a escolha depende de qual cenário da guerra lhe parece mais interessante.

Após estas, eu recomendaria buscar as expansões BreakthroughWinter Wars, que são complementares. A segunda traz um baralho e alguns mapas para a primeira, além de vários pequenos elementos e unidades novas em forma de insígnias, enquanto a segunda traz um modo de jogo que, em minha opinião totalmente individual e subjetiva, é responsável por batalhas muito mais interessantes e que requerem maior investimento estratégico.

Como vocês viram, há diversas outras expansões, mas as citadas acima são mais do que suficiente para meses ou até anos de entretenimento. No momento em que este texto está sendo escrito, The Battles of Khalkin-Gol é bastante fácil de se encontrar por preços razoáveis, e a nova expansão (cuja capa aparece no segmento do texto abaixo) tem previsão de ser lançada custando $25. Se você se apaixonar pelo jogo como eu e tantos outros fãs, recomendo que adquira ambas enquanto ainda estão baratas, pois daqui há alguns anos provavelmente entrarão para o hall de Battle Maps raros e ridiculamente caros.

O FUTURO DE MEMOIR ’44

A julgar pelo ritmo mais lento de lançamentos, é possível que apenas mapas de batalha sejam lançados daqui para frente, salvo raríssimas exceções. Uma pista a respeito de uma dessas exceções veio do próprio Richard Borg, autor do jogo. Em um fórum oficial, Borg argumentou que não teve tanto envolvimento na criação da expansão Air Pack, e que em um futuro ainda não definido – talvez não tão próximo – ele pretende criar um novo tipo de expansão voltada a aviões, aparentemente com regras mais simples e interessantes.

Mas até lá, apesar da declaração ter vindo de Richard Borg em pessoa, podemos apenas especular. A única certeza que temos é o lançamento do novo mapa de batalha Through Jungle and Desert, que trará seis mapas no modo standard e dois no modo Overlord impressos em papel. Presumimos que, dos seis mapas normais, três se passem no teatro do Pacífico e três no norte da África, e os mapas do modo Overlord devem se dividir da mesma maneira, para justificar a adição de dois baralhos de combate para dois tipos de cenários diferentes.

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Memoir ’44 está longe de ser um dos jogos mais populares do mundo, mas ele possui uma legião de fãs completamente fanática e comprometida. Abundam pelos grotões da Internet grupos e comunidades online onde seus fãs compartilham customizações, cenários próprios e até fotos de tabuleiros transformados em verdadeiras maquetes, com dezenas de elementos em miniatura, para aumentar a imersão do jogador. Há também pequenos torneios eventuais em países como França e Holanda.

Fala-se em um possível potencial deste jogo para o ensino de História. Devo dizer que, após alguns meses de experiência com o jogo, não me parece que Memoir ’44 tenha lá grande potencial para isso. Ainda que todos os cenários comecem com um texto de contextualização histórica e ele possa dar algumas informações factuais, não necessariamente ele é um jogo que leva a profundas reflexões e análises históricas sobre a Segunda Guerra Mundial.

Agora, se falarmos sobre seu potencial de despertar interesse em estudar este evento de escala global, aí são outros quinhentos. Assim como tantos filmes, séries, jogos eletrônicos e afins, Memoir ’44 há muito figura no hall de produtos da indústria do entretenimento com forte potencial de abrir portas pelo interesse em História, mesmo que se refira a um recorte temporal específico (1939-1945). E que continue assim por muitos anos. Aguardemos que um dia ele venha para o Brasil ou, pelo menos, tenha reedições novas das expansões esgotadas.

[Edit] Eu desenvolvi uma pequena campanha representando o Brasil na Segunda Guerra Mundial e, atualmente, trabalho em uma nova versão atualizada, que usa mais expansões e modos de jogo. Se você quiser baixar o arquivo da primeira campanha, que exige apenas a caixa-base e a expansão Terrain Pack, clique aqui.