Salve, espectadores do canal. Hoje em dia os estudos de mídia, indústria cultural e afins já estão bem consolidados, ainda que estejam sempre precisando se adaptar a novas mídias e tecnologias que surgem o tempo todo. Só que, claro, nem sempre foi assim. A coisa começou a tomar forma de verdade e virar algo mais próximo do que temos hoje em meados dos anos 1970, se aproveitando do cenário favorável da época pelo boom de estudos sobre cultura popular iniciado nos anos 1960. E naquele momento um acadêmico entendeu que era muito importante discutir, refletir e teorizar sobre aquele que era o veículo de mídia mais poderoso, e que permanece até hoje muito forte, mesmo depois da Internet: a televisão. O livro de hoje é Televisão: tecnologia e forma cultural, de Raymond Williams, lançado no Brasil pelas editora Boitempo e PUC Minas.
Esse livro foi lançado originalmente em 1974 e foi um dos primeiros estudos mais robustos sobre a televisão tanto como tecnologia quanto como forma cultural. Um dos conceitos que ele trazia era o de “fluxo televisivo”. Tendo contato com a TV nos Estados Unidos em uma viagem, Williams teorizou que a televisão não era estruturada por unidades separadas, nem era dividida entre, de um lado, os programas, e do outro, os anúncios. Para ele, havia um fluxo planejado onde a série não era a sequência de programas. A sequência de programas se junta a outra, que se junta a outra, e isso forma um fluxo real, que ele chama de “verdadeira radiodifusão”.
Eu estou citando esse conceito porque, na verdade, ele foi superado por estudos que vieram depois. Mas apesar disso, a abordagem que Williams tinha da televisão como mídia permaneceu forte e influente. Ele via a televisão como uma experiência cultural, e essa experiência surge por conta da articulação entre as práticas de produção, os determinismos da tecnologia e da economia, a função social da televisão dentro das casas, na vida dos espectadores, e as estruturas formais dos tipos de produtos televisivos individualmente.
Essa é uma abordagem multiperspectívica – ou seja, que parte de várias perspectivas para tentar enxergar melhor o todo –, e é bastante influente nos estudos de mídia e comunicação. É uma das bandeiras, por exemplo, de outro autor que foi um dos mais importantes na minha formação nos últimos anos, Douglas Kellner, que foi bastante influenciado pelos estudos culturais britânicos dos anos 1960 e 1970.
Outra característica desse livro que se tornou bastante influente é o fato de que Williams rejeita a ideia de um determinismo tecnológico, onde a televisão influencia diretamente o espectador de forma vertical. Para Williams, a história é a força determinante na formação dos sujeitos, e ela forma tanto o espectador quanto a televisão como estrutura midiática. Nós podemos falar que sim, a televisão influencia e afeta a sociedade, comportamentos, posicionamentos políticos, mas não pode controlar o público.
A influência da TV é um processo onde fatores determinantes reais – como a distribuição de poder, de capital, herança social e material, relações de poder, de escala entre grupos e afins – pressionam e estabelecem limites no público, e ela atende ao que os detentores do poder e do capital querem, mas não têm o poder de controle absoluto.
Para alguns isso pode parecer meio óbvio ou pouco relevante, mas na época em que esse livro saiu, foi uma reflexão importante, porque a perspectiva de um controle social midiático vertical e superpoderoso era bastante influente. E as reflexões teóricas que Williams trouxe nessa obra podem ser bem úteis para outros tipos de tecnologias, mesmo as que surgiram depois que o livro saiu. É considerado o primeiro clássico sobre os estudos sobre a televisão, e para quaisquer estudiosos de mídia e indústria cultural, este livro é uma leitura valiosa.